sábado, março 10, 2007

A ESCOLA QUE TEMOS

Esta semana, assim como a anterior e a próxima, percorri umas quantas escolas da região centro para ver aulas de estagiários. Vi aulas em turmas desde o 8º ano até ao 12º. O meu assunto desta semana não poderia deixar de ser a Escola.
É uma sensação bastante engraçada voltar a uma escola e ouvir a berraria nos corredores assim que toca para sair. Quando eu digo berraria é mesmo BERRARIA (principalmente nas escolas do 7º ao 9º). Eu acho que eles conseguem ainda berrar mais do que nós o fazíamos e a explicação só pode ser a de eles não terem agora o prazer de gritar 'FERIADO' ou 'HORA VAGA' pois agora há sempre alguém para os 'apascentar' (pois é disso que se trata e nada mais). Mas para além deste sentimento saudosista dos bancos de escola pré-universitária, ficaram-me outros sentimentos, que são expressos quase integralmente por esta reflexão de Vasco Graça Moura sobre a escola que temos, que aqui deixo.
« A ESCOLA QUE TEMOS
A escola que temos não exige a muitos jovens qualquer aproveitamento útil ou qualquer respeito da disciplina. Passa o tempo a pôr-lhes pó de talco e a mudar-lhes as fraldas até aos 17 anos. Entretanto mostra-lhes com toda a solicitude que eles não precisam de aprender nada, enquanto a televisão e outros entretenimentos tratam desubmetê-los a um processo contínuo de imbecilização. Se, na adolescência, se habituam a drogar-se, a roubar, a agredir ou a cometer outros crimes, o sistema trata-os com a benignidade que a brandura dos nossos costumes considera adequadas à sua idade e lava-lhes ternurentamente o rabinho com água de colónia. Ficam cientes de que podem fazer tudo o que lhes der na real gana na mais gloriosa das impunidades. Não são enquadrados por autoridade de nenhuma espécie na família, nem na escola, nem na sociedade, e assim atingem a maioridade. Deixou de haver serviço militar obrigatório, o que também concorre para que cheguem à idade adulta sem qualquer espécie de aprendizagem disciplinada oude noção cívica. Vão para a universidade mal sabendo ler e escrever e muitas vezes sem sequer conhecerem as quatro operações. Saem dela sem proveito palpável. Entretanto, habituam-se a passar a noite em discotecas e noutros proficientes locais de aquisição interdisciplinar do conhecimento, até às cinco ou seis da manhã. Como não aprenderam nada digno desse nome e não têm referências identitárias, nem capacidade de elaboração intelectual, nem competência profissional, a sua contribuição visível para o progresso do país consiste no suculento gáudio de colocarem Portugal no fim de todas as tabelas. Capricham em mostrar que o "bom selvagem" afinal existe e é português. A sua capacidade mais desenvolvida orienta-se para coisas como o /Rock in Rio/ ou o futebol. Estas são as modalidades de participação colectiva ao seu alcance e não requerem grande esforço (do qual, aliás, estão dispensados com proficiência desde a instrução primária). Contam com o extremoso apoio dos pais, absolutamente incapazes de se co-responsabilizarem por uma educação decente, mas sempre prontos a gritar aqui-d'el-rei! contra a escola, o Estado, as empresas, o gato do vizinho, seja o que for, em nome dos intangíveis rebentos. Mas o futuro é risonho e é por tudo o que antecede que podemos compreender o insubstituível papel de duas figuras como José Mourinho e Luiz FelipeScolari. Mourinho tem uma imagem de autoridade friamente exercida, de disciplina, de rigor, de exigência, de experiência, de racionalidade, de sentido do risco. Este conjunto de atributos faz ganhar jogos de futebol e forma um bloco duro e cristalino a enredomar a figura do treinador do Chelsea e o seu perfil de /condottiere/ implacável, rápido e vitorioso. Aos portugueses não interessa a dureza do seu trabalho, mas o facto de "ser uma máquina" capaz de apostar e ganhar, como se jogasse à roleta russa. Scolari tem uma imagem de autoridade, mas temperada pela emoção, de eficácia, mas temperada pelo nacional-porreirismo, de experiência, mas temperada pela capacidade de improviso, de exigência, mas temperada pela compreensão afável, de sentido do risco, mas temperado por um realismo muito terra-a-terra. É uma espécie de tio, de parente próximo que veio do Brasil e nos trata bem nas suas rábulas familiares, embora saiba o que quer nos seus objectivos profissionais. Ora, depois de uns séculos de vida ligada à terra e de mais uns séculos devida ligada ao mar, chegou a fase de as novas gerações portuguesas viverem ligadas ao ar, não por via da aviação, claro está, mas porque é no ar mais poluído que trazem e utilizam a cabeça e é dele que colhem a identidade, a comprazer-se entre a irresponsabilidade e o espectáculo. E por isso mesmo, Mourinho e Scolari são os novos heróis emblemáticos da nacionalidade, os condutores de homens que arrostam com os grandes e terríficos perigos e praticam ou organizam as grandes façanhas do peito ilustre lusitano. São eles quem faz aquilo que se gosta de ver feito, desde que não se tenha de fazê-lo pessoalmente porque dá muito trabalho. Pensam pelo país, resolvem pelo país, actuam pelo país, ganham pelo país. Daí as explosões de regozijo, as multidões em delírio, as vivências mais profundas, insubordinadas e estridentes, as caras lambuzadas de tinta verde e vermelha dos jovens portugueses. Afinal foi só para o Carnaval que a escola os preparou. Mas não para o dia seguinte.
* Vasco Graça Moura»

2 Comentário(s):

At 3/12/2007 09:05:00 da manhã, Blogger V andrade disse:

Porra:

Não posso concordar com esta crónica do Vasco Graça Moura. Acho que hoje os alunos são muito mais orientados para os resultados, mais ambiciosos e competitivos que há anos atrás. Esta descrição dos jovens como seres acéfalos cuja única motivação é o divertimento e o futebol, é, por isso, exagerada e irreal.

Naturalmente que esta geração que Vasco Graça Moura descreve ainda nao teve tempo de provar coisa nenhuma. Não, podem, por isso ser responsabilizados pela localização de Portugal em todas as tabelas. Quem podemos então responsabilizar? Serão aqueles que tiveram a sorte de ser enquadrados pelo Sr. Autoridade? Ou talvez aqueles que cumpriram o serviço social obrigatório?

Em todas os momentos da história há pessoas empenhadas, trabalhadoras, esforçadas e pessoas apáticas, parasitas. Em todos os momentos da história há profetas da desgraça...

 
At 3/12/2007 09:37:00 da manhã, Anonymous Anónimo disse:

Olá Porra!

Bem este post está realmente assustador... Eu que tenho alguma vontade de voltar às Escolas (ainda não sei bem como) começo a pensar se terei pedalada para tudo isso...

Mas na realidade eu só oiço falar, daqui, dacolá, e só passando por lá é que saberei...

A meu ver o problema é que a informação a que temos acesso é completamente condicionada... quantos relatos de alunos, do que é ouvir um professor sem motivação, do que é ter de competir com o amigo, do que é ter de marrar só para marrar, do que é insistir com matérias em que não é mostrada a utilidade delas...etc, ouvimos? Pois...

Enfim... confesso que tenho algum receio do que irei encontrar ou não... mas como alguém ligado à educação, penso que devemos ter mais esperança nas gerações mais jovens... afinal de contas elas são o fruto das nossas acções...

Obrigada Porra, por esta reflexão!

Um bj

 

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